segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Juiz critica magistratura encastelada que não ouve a voz das ruas


(28.10.11)
Por Átila Andrade de Castro, 
juiz de Direito na comarca de Belo Horizonte (MG).

 
Após décadas de poder, alguns dos mais conhecidos tiranos do nosso tempo foram expulsos de seus palácios situados no norte da África pela força do movimento popular.

No Cairo, em Trípoli e em Túnis a população se deu conta de que não se deve dar poder a quem não oferece contraprestação. Iniciaram com certa timidez a revolução que ficou conhecida como Primavera Árabe e o movimento foi tomando corpo, forma e substância, atravessando fronteiras e mudando uma realidade que parecia imutável.

Enquanto isso, encastelados em seus palácios, os ditadores de plantão faziam ouvidos moucos à voz das ruas. Diziam que era conspiração de potências ocidentais, que a suposta revolta não passava de movimentos isolados e que não abririam mão do poder que consideravam legítimo. Continuaram a fazer refeições em talheres de ouro, a viajar em aviões particulares intercontinentais e a desfrutar de todo o luxo e conforto que o poder proporciona.

Não ouviram o alerta. Não negociaram e nem se dispuseram a abrir mão de privilégios e nem a oferecer serviços decentes aos seus “súditos”. O resultado todo mundo conhece. Foram todos banidos de suas fortalezas, expulsos, presos e mortos.

Qual a semelhança de tal momento histórico com o Judiciário brasileiro?

É visível a insatisfação de todos os segmentos da sociedade com a justiça brasileira. O serviço é precário, ineficiente, artesanal, não oferece segurança jurídica e é excessivamente aleatório, tanto em termos de conteúdo decisório quanto em termos de procedimento, pois está sempre sujeito à idiossincrasia do juiz que receber a causa. 
 
Junte-se a isso a absoluta falta de investimentos de peso em tecnologia e em treinamento de servidores. O resultado todo mundo conhece: justiça lenta – e, portanto, frequentemente injusta -, cara e improdutiva.

A sociedade já percebeu a gravidade do problema. Não há país submetido a padrões ocidentais de civilização que consiga crescer e progredir e nem sociedade que se mantenha saudável com o serviço prestado pelo judiciário de hoje.

Enquanto isso, onde estão os membros do poder, que poderiam -  e deveriam - mudar este estado de coisas? 
 
Muitos estão em seus “castelos”, lutando por frações de poder, medalhas, privilégios e títulos. Não ouvem a voz das ruas e nem se mostram permeáveis à crítica externa e às demandas sociais.

Pelo contrário, atribuem tudo isso a conspiradores anônimos e silenciosos que desejam enfraquecer o poder. Também não admitem jamais abrir mão de luxos que atualmente não se justificam, como duas férias anuais. 
 
Chega-se ao absurdo de se promover silenciosamente uma disputa surda entre juizes de segundo grau da justiça estadual e de segmentos da justiça federal pelo “privilégio” de usar a denominação “desembargador”, como se o tratamento dispensado ao juiz fosse lhe conferir sabedoria e garantir a prestação jurisdicional célere que a população tanto deseja.

Também não se vê por parte de associações que representam os juízes propostas de modernização, de incorporação de tecnologias, de simplificação e otimização de procedimentos e rotinas de trabalho para atingir padrões mínimos de qualidade e eficiência. Continuamos, como há séculos, reproduzindo modelos de decisão e de termos de  audiência que já eram usados nos tempos da inquisição.

Enfim, fica muito claro que se a autocrítica não ocorrer e as mudanças tão legítimas desejadas pela nossa sociedade não forem implementadas de dentro para fora, virão certamente de fora para dentro. O CNJ é o primeiro exemplo disso.

Por certo, se continuarmos surdos e inertes, alheios ao que acontece à nossa volta, seremos, ao final, expulsos de nossos castelos, sem nossos tão desejados títulos, comendas e condecorações.

Espero apenas que também não sejamos mortos como animais e enterrados em cova rasa no deserto. 
 
Que antes do fim a autocrítica tome conta de nosso meio e sociedade tenha enfim o Poder Judiciário que merece! 
.........................
(*) Artigo publicado originalmente em blogs de Minas Gerais; reproduzido pelo jornal Folha de S. Paulo; e inserido no clipping interno do CNJ.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

CCN facilita oficina sobre gestão de RESEX em Frechal

Produção de farinha no Quilombo Frechal

O CCN facilitou ontem (27) uma reunião formativa com os conselheiros das comunidades tradicionais que comporão o Conselho Deliberativo (CD) da Reserva Extrativista de Frechal, município de Mirinzal/MA.

O Processo formativo visa emponderar os conselheiros das comunidades da RESEX sobre as normas de funcionamento do CD. A reserva é formada pelas comunidades de Frechal, Rumo e Deserto.

O Conselho Deliberativo da RESEX de Frechal tomará posse no dia 04 de novembro, às 19hs, no Casarão Cultural da comunidade de Frechal. Nos dias 05 e 06, serão discutidos e aprovados o Regimento Interno do CD e o Plano de Uso e Manejo da RESEX.

O Conselheiro Deliberativo (CD) é o órgão responsável por gerir a Reserva Extrativista. Sobre Presidência do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, o CD é composto por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área.

Na Resex de Frechal, o CD é formado por 20 instituições/órgãos, sendo 12 entidades locais, o CCN, a ACONERUQ, o STTR, além da Prefeitura Municipal, da UFMA, UEMA, SEMA, e ICMBio - que preside o Conselho - como representantes do Poder Público.

Ao final da reunião, foi entregue um Parecer Jurídico sobre a titulação da área conforme preceitua o artigo 68 do ADCT.

Elaborado pela Assessoria Jurídica do CCN, o parecer aborda a atual situação das comunidades inseridas dentro de uma RESEX, restrições de uso, possibilidade de alteração de categoria de Unidade de Conservação, bem como a possibilidade da titulação do território em nome da comunidade, tendo em vista que à época da criação da Reserva, em 1992, não existia legislação que regulamentasse o referido dispositivo constitucional.

HISTORICO.

A RESEX de Frechal  foi criada através do Decreto Presidencial nº 536, de 20/05/1992. Está localizada no município de Mirinzal, Estado do Maranhão, com uma área de aproximadamente 9.823,64 ha (nove mil oitocentos e vinte e três hectares e sessenta e quatro centiares). Na comunidade quilombola de Frechal residem aproximadamente 100 famílias, descendentes de negros, escravos africanos, que, segundo pesquisa do Projeto Vida de Negro , são oriundos das etnias Mandica, Benguela, Mina, Cabinda, Angola e Congo.

O processo de construção de identidade étnica da comunidade de Frechal deve ser considerado como um ponto favorável para o desenvolvimento de toda a região, tendo em vista que, o reconhecimento jurídico como Reserva Extrativista contribuiu sobremaneira para o fortalecimento da questão étnico-racial. Importante ressaltar que, nesse contexto do reconhecimento jurídico do território da comunidade quilombola, várias tradições histórico-sociais foram fortalecidas, incluindo a preservação do casarão da antiga fazenda, construído no ano de 1792, que atualmente sedia a rádio comunitária, a sede da Associação, bem como várias atividades culturais e de formação desenvolvidas pela comunidade.

Escrito por Igor Almeida

ADI Quilombola será discutida hoje na TV Justiça


Assista: debate sobre Adin Quilombola na TV Justiça nesta sexta-feira (28)

  
A TV Justiça irá exibir a partir desta sexta-feira (28) o debate realizado no programa “Audiência Pública” sobre a ADIn 3239, que está na pauta de julgamentos do STF sem data definida para ser votada. A ADIn, proposta pelo PFL, hoje DEM, questiona a constitucionalidade do Decreto Federal 4887/03, o qual viabiliza a realização da política pública de titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo.

  A garantia do direito à terra para comunidades quilombolas foi questionada pelos ruralistas pois implica na democratização do acesso à terra e viabiliza um modelo de desenvolvimento pautado pelo respeito à diversidade e às minorias. Na avaliação da Terra de Direitos, é preciso garantir o debate não apenas na TV Justiça, mas também no próprio STF, através de uma Audiência Pública que anteceda a votação da ADIn, conferindo especial prioridade para participação direta das comunidades quilombolas.

  Nesse sentido, a iniciativa da TV Justiça é importante, apesar de não ter contado com a participação de quilombolas no programa. O debate foi feito com a presença de defensores do direito à terra das comunidades quilombolas – Fernando Prioste (Terra de Direitos), Junior Fideles (Procurador Geral do INCRA) e Eloi Ferreira de Araújo (Presidente da Fundação Cultural Palmares) e também dos opositores aos direitos das comunidades quilombolas: Francisco de Godoy Bueno (Sociedade Rural Brasileira), Waldir Colatto (PSDB) e Paulo Cesar Quartiero (DEM).

Serviço:
Programa Audiência Pública sobre ADIn Quilombola
Exibição: 28 (sexta) às 20h; 29 (sábado) às 9h30min, 30 (domingo) às 23h e 2 (quarta) às 9h. 
Canal: A TV Justiça pode ser assistida em alguns estados pela TV Aberta e em outros apenas pela TV a cabo, através do canal 117 da Sky e canal 6 da Net. Para saber da sua região, acesse o site da TV Justiça: http://www.tvjustica.jus.br/
Internet: Em breve, o conteúdo do programa estará disponível pelo Canal da TV Justiça no You Tube.

Com informações da Organização Terra de Direitos

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SMDH elabora Projeto de Lei contra monoculturas

A SMDH encaminhou no dia de hoje (26), projeto de lei para a Câmara Municipal do município de Belágua (MA) dispondo “sobre a proibição do desmatamento da vegetação nativa para a produção de carvão em escala industrial e plantio e/ou expansão de monoculturas agressivas ao ecossistema no município de Belágua”.
A elaboração do Projeto de Lei pela assessoria jurídica do Programa Território Livre do Baixo Parnaíba Maranhense foi fruto de uma reunião com comunidades da gleba Piquizeiro, vereadores, coordenação do Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba Maranhense, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Coordenação do Pólo Sindical da FETAEMA, Vice-Prefeito, dentre outros.
A proposta de lei que combate monoculturas agressivas no município de Belágua tem por objetivo, dentre outros, impedir o ingresso dos grandes projetos de soja e eucalipto, que, conforme exemplos em outros municípios da região do Baixo Parnaíba Maranhense, causam graves impactos ao ecossistema local e às comunidades tradicionais que utilizam, de forma sustentável, esse ecossistema.
Essa não será uma experiência pioneira. Barreirinhas, São Benedito do Rio Preto, Tutóia possuem leis semelhantes. Nestes municípios, em que pese as incessantes investidas dos sojicultores e empresas plantadoras de eucalipto, o processo de implantação desses grandes projetos tem enfrentado dificuldades. Além da resistência das comunidades na manutenção de seus territórios, tais leis nesses municípios têm contribuído nesse processo.
Conforme adiantou o presidente da Câmara Municipal de Belágua, o projeto de lei deve ser apreciado pelo plenário na sessão ordinária de sexta feira, dia 28 deste mês.
Segue abaixo texto do Projeto de Lei:

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÁGUA
ESTADO DO MARANHÃO
Lei n.____
Dispõe sobre a proibição do desmatamento da vegetação nativa para a produção de carvão em escala industrial e plantio e/ou expansão de monoculturas agressivas ao ecossistema no município de Belágua e dá outras providências.
O Prefeito Municipal de Belágua, Estado do Maranhão.
Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte lei.
Considerando que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios a proteção ao meio ambiente e preservar as florestas, fauna e a flora;
Considerando que cabe ao município legislar, concorrentemente, sobre proteção ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, artístico e paisagístico, bem como sobre responsabilidade por danos ao meio ambiente;
Considerando o que dispõe o artigo 30, II e VIII da Constituição Federal;
Considerando que, conforme dispõe o artigo 170, VI, a ordem econômica tem por finalidade assegurar uma vida digna às pessoas, conforme os princípios da justiça social, observado o princípio da defesa do meio ambiente;
Art. 1 – Fica proibido em todo o território do município de Belágua o desmatamento da vegetação nativa para a produção de carvão vegetal em escala industrial.
Art. 2 – Também fica proibido qualquer plantio e/ou expansão de monoculturas estranhas e agressivas ao meio ambiente, causando graves danos ao ecossistema da região e às populações e comunidades tradicionais que dependam da integralidade do território para reprodução física, econômica, social e cultural.
Parágrafo Único: São exemplos de monoculturas agressivas ao meio ambiente, dentre outras:
I – soja;
II – eucalipto;
III – cana-de-açucar;
IV – mamona;
V – dendê;
Art. 3 – As proibições as quais se referem esta lei encontram respaldo no artigo 225 da Constituição Federal e nos artigos 239, 240, 241 e ss. da Constituição do Estado do Maranhão.
Art. 4 – Os critérios e métodos de recuperação da vegetação nativa devastada e do meio ambiente degradado, assim como as penalidades desta lei, serão definidos em Decreto a ser expedido pelo Poder Executivo Municipal, no prazo de 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei.
Parágrafo Único – As multas decorrentes do descumprimento dessa Lei, depois de recolhidos aos cofres municipais, deverão ser revertidas em políticas públicas efetivas para as populações e comunidades diretamente afetadas.
Art. 5 – Para combater a implantação e/ou expansão de projetos de monoculturas agressivas ao ecossistema local, o Poder Público deverá estimular e fortalecer a agricultura familiar nas comunidades do território do município.
Art. 6 – A presente Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art 7 – Revogam-se as disposições em contrário.
Gabinete do Prefeito Municipal de Belágua/MA, em __ de ____ de 2011.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tribunal Popular da Terra será realizado na Paraíba nesta terça (25)


MOVIMENTOS SOCIAIS E ORGANIZAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS PROMOVEM TRIBUNAL POPULAR DA TERRA - O ESTADO NO BANCO DOS RÉUS NA PARAÍBA

Evento será realizado no dia 25/10/2011 e julgará o Estado paraibano por violações de direitos humanos relacionadas à luta pela Terra e Território realizadas por sua ação e/ou omissão.


 No dia 25 de outubro de 2011 será realizado no auditório da Faculdade de Direito de Santa Rita (centro de João Pessoa – praça
1817) o Tribunal Popular da Terra: o Estado no Banco dos Réus, às 09h00. A iniciativa já foi experimentada em outros Estados do Brasil e será realizada pela primeira vez no Estado da Paraíba.

 O evento é fruto da articulação de diversos movimentos sociais e organizações de direitos humanos de todo o Brasil para
evidenciar, através do mecanismo simbólico do júri popular, as violações de direitos humanos cometidas através da ação ou omissão do poder estatal. A proposta do Tribunal Popular da Terra tem por objetivo colocar o Estado no banco dos réus e permitir que este seja julgado pelas violações de direitos humanos cometidas.

Os procedimentos reais do tribunal do júri são simulados de forma lúdica durante o tribunal popular. O Estado é acusado pelos
grupos e movimentos que sofreram as violações de direitos humanos, de maneira que a violação pode ser contada a partir daqueles que foram vítimas das mesmas. O Estado é citado a oferecer sua contestação (defesa – A Casa Civil do Estado da Paraíba e Órgãos do Governo Federal – FUNAI e INCRA foram intimados, assim como, foram convidados o MP, OAB e TJ/PB) e após o cumprimento dos procedimentos será julgado pelo corpo de jurados do tribunal.

O eixo articulador das violações de direitos humanos selecionadas para o caso paraibano foi a questão da luta pela terra e
território. O Estado brasileiro será acusado e julgado por violações de direitos humanos que se relacionem com estas lutas, representando a mais variada composição de movimentos e demandas que envolvem a terra, como: movimentos de trabalhadores rurais, movimentos indígena e quilombola e atingidos por barragens. As denúncias selecionadas são: o desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz, a construção/rompimento da Barragem de Acauã, a demarcação da terra indígena potiguara de
Monte-Mor e o reconhecimento e demarcação da comunidade quilombola de Paratibe.

A Comissão organizadora do Tribunal Popular da Terra convida a sociedade paraibana a participar deste evento tão importante
que faz parte da memória permanente da luta pela efetivação dos direitos humanos na Paraíba e no Brasil. Estas violações precisam ser lembradas e discutidas pelo corpo da sociedade e não podem ficar impunes.


Contatos :             (83) 96341883       e             (83) 8108-6288      .
Onde : Faculdade de Direito de Santa Rita. Centro da Cidade, Praça
1817. Ao lado da Casa Civil.
Horário: 09h00
Para saber mais sobre o Tribunal Popular da Terra e Conflitos
fundiários no Brasil:

sábado, 22 de outubro de 2011

FÓRUM JUSTIÇA será lançado nesta segunda, no Rio de Janeiro

Será lançado na próxima segunda feira (24), no Rio de Janeiro, o Fórum Justiça, que tem como objetivo principal discutir o processo de democratização do Poder Judiciário. 

Inicialmente, as idéias do Fórum Justiça são: 1) discutir de forma mais profunda a Reforma do Judiciário, sob a perspectiva da democratização da Justiça, e 2) dar início a um movimento que se espalhe por todo o Brasil, través de Fóruns semelhantes com o mesmo objetivo, como um movimento nacional de cobrança e de monitoramento, possibilitando efetivas mudanças na esfera do Poder Judiciário.

Mais informações abaixo:



Com informações de Tânia Pacheco - GT Combate ao Racismo Ambiental

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

INCRA e quilombolas dialogam sobre ações de regularização dos territórios


Durante todo o dia de ontem (19), diretorias do INCRA nacional e da Superintendência Regional apresentaram respostas às demandas coletivas apresentadas por lideranças quilombolas e sem-terras.

Como metodologia dos trabalhos, foram criados três grupos de trabalho: GT Quilombola; GT Obtenção de Terras (Desapropriação para Reforma Agrária) e GT Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos já criados.

No tocante ao GT quilombola, o INCRA Nacional, em conjunto com a Coordenação Quilombola da Superintendência Regional, apresentaram Plano de Trabalho para atender a pauta apresentada ao Governo Federal no mês de junho, quando da realização do primeiro Acampamento Negro Flaviano, que ocasionou a vinda das ministras de Direitos Humanos, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e do presidente do INCRA.

Algumas comunidades constantes na pauta de junho para execução imediata do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) estão em processo de execução, como a comunidade quilombola do Charco. Segundo informações da Coordenação Quilombola da Superintendência Regional do INCRA, a partir da semana que vem serão iniciados os  trabalhos de elaboração do RTID no território quilombola de Bonsucesso dos Negros, município de Mata Roma (comunidade assessorada pelo Centro de Cultura Negra - CCN e pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos - SMDH).

Foi exposto pela Coordenação Nacional que a licitação para a contratação dos 158 relatórios antropológicos em todo o país foi finalizado. Destes 158, 34 laudos estão direcionados para comunidades quilombolas no Estado do Maranhão.

Importante ressaltar que o laudo antropológico, elaborado por profissional qualificado, é apenas uma das peças técnicas que compõem o RTID. As demais são: o cadastramento das famílias quilombolas; levantamento fundiário; relatório agroambiental; construção do mapa e do memorial descritivo; parecer técnico conclusivo e parecer jurídico.

A execução dos Relatórios Antropológicos pelas empresas vencedoras do certame licitatório ocorrerá em três momentos. A primeira etapa terá início em meados de novembro, e envolverá a realização de 14 comunidades quilombolas que estão em situação conflituosa mais acirrada ou que possuem decisão judicial para elaboração do RTID. Antes da execução do objeto da licitação, o INCRA, em parceria com a Associação Brasileira de Antropólogos (ABA), realizará um processo de capacitação com os profissionais indicados pelas empresas, com intuito de tomarem conhecimento acerca de todas as instruções normativas que baseiam a elaboração dos laudos antropológicos.

Neste primeiro lote, estão incluídas as comunidades de Barro Vermelho (município de Chapadinha), Depósito e Saco das Almas (município de Brejo), também acompanhadas sócio-juridicamente pelo CCN e pela SMDH.

As demais comunidades estão divididas em mais 2 lotes a serem executados no início de 2012 (a partir da abertura do Orçamento da União) e no segundo semestre de 2012. No segundo lote, estão incluídas as comunidades quilombolas de São Pedro e Santarém/Santana (município de São Luiz Gonzaga do Maranhão), Piratininga (município de Bacabal) e Tanque dos Valença (município de Matinha), todas acompanhadas pelo CCN.

Dentre outros pontos da pauta, um dos mais importantes trata-se da reestruturação do INCRA para criação de Diretorias de Regularização Quilombola nas Superintendências Regionais. Segundo informe da coordenação nacional, a presidência do INCRA já encaminhou este pedido de reestruturação à Casa Civil e à Secretaria Geral da Presidência da República.

Esta reestruturação é importante porque, no atual cenário, os processos de titulação quilombola, para execução das outras peças técnicas que compõem o RTID, dependem da disponibilidade de técnicos (agrônomos, ambientais, cartógrafos, etc) de outras Diretorias. Isso, em muitos casos, ocasiona letargia nos processos de titulação quilombolas. A composição de Diretorias de Regularização Quilombola com técnicos das diversas áreas é uma tentativa de diminuir o gargalo dos processos de titulação de comunidades quilombolas.

Outro ponto da pauta apresentada ao Governo Federal suscitado durante a reunião foi o caso de comunidades quilombolas que, antes de existir legislação que garantisse a efetividade do artigo 68 do ADCT, contraíram empréstimos junto ao Crédito Fundiário para a aquisição de suas terras. Segundo a coordenação nacional, o caso será levado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a fim de que seja apresentada uma solução jurídica para estas situações específicas. Hoje, muitas comunidades quilombolas estão endividadas com os bancos por não conseguirem pagar os empréstimos contraídos. Existem casos de comunidades com iminente ameaça de despejo. Como encaminhamento deste ponto, as entidades realizarão o levantamento de todas essas situações e encaminharão para o INCRA nacional.

Com relação ao concurso público para contratação de servidores, o Procurador do INCRA presente na reunião afirmou que os candidatos que se inscreveram para as 4 vagas de antropólogos para a Superintendência Regional do Maranhão terão que realizar novas provas, em virtude de suspeitas de fraudes no último concurso realizado pelo INCRA. Isto foi possível a partir de um Termo de Compromisso firmado entre a autarquia e o Ministério Público Federal no Estado do Pará. Os exames serão realizados no mês de novembro e a expectativa, segundo o Procurador, é de que os candidatos aprovados sejam nomeados no mês de janeiro de 2012.

Igor Almeida, assessor jurídico do Centro de Cultura Negra do Maranhão e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.

Seminário sobre Direitos Humanos e Desenvolvimento começa nesta quinta-feira (20)

DHESCA BRASIL INFORMA ▪ Direitos Humanos e Desenvolvimento
Boletim informativo da Plataforma Dhesca Brasil – 19 de setembro de 2011.


Nesta quinta e sexta-feira (20 e 21), será realizado em Brasília o Seminário “Direitos Humanos e Desenvolvimento - Diálogos e Alternativas”, promovido pela Plataforma Dhesca Brasil e pelo INESC – Instituto de Estudos Socioeconomicos. O evento contará com a participação de cerca de 50 representantes de redes, movimentos, organizações e afiliadas da Plataforma Dhesca, e como debatedores o prof. Henri Acselrad (UFRJ) e os Relatores e Relatoras de Direitos Humanos.

O primeiro dia do evento tem como objetivo compreender o atual modelo de desenvolvimento, a partir dos pressupostos dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, reconhecer os mecanismos desenvolvidos para sustentar tal modelo e identificar as principais violações de direitos. Grupos de trabalho serão formados para debater alguns temas identificados como centrais neste processo, como mega-eventos, propostas de mercantilizacão da natureza, Rio +20, atuação das empresas transnacionais/nacionais etc.

Para o segundo dia, o seminário irá identificar e debater as estratégias coletivas em busca de um desenvolvimento sustentável, inclusivo e promotor de direitos. Os participantes irão delinear um mapa conjunto de atuações, a fim de construir estratégias e agenda política entre redes, movimentos e organizações no enfrentamento do modelo de desenvolvimento em curso e na concepção de outro modelo social.

Veja a programação em nosso site.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A VERDADE: por uma Comissão verdadeira


A VERDADE: por uma Comissão verdadeira

Paulo César Carbonari

Está em debate no Congresso Nacional a criação da Comissão Nacional da Verdade. O Projeto de Lei nº 7.376/2010 foi recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados e agora aguarda votação pelo Senado Federal. Prevista no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), sua aprovação, por um lado, deve ser saudada como avanço; por outro, mostra a tendência de conciliação “por cima”, comum na história brasileira.

O texto do Projeto de Lei aprovado pela Câmara estabelece no artigo 1º que a Comissão Nacional da Verdade tem por finalidade “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias [leia-se de 1946 a 1985] a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Há aqui pelo menos dois problemas fundamentais: primeiro o período de apuração, que se dilui em mais de quatro décadas da história brasileira, podendo vir a desfocar o objetivo principal de sua proposição que é a apuração das violações do recente período ditatorial (de 1964 a 1985); segundo, ao estabelecer como expectativa final da Comissão a efetivação do direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional, substitui claramente a expectativa de que esta última passe pela necessária realização da justiça às vítimas como requisito e, ademais, mais do que reconciliação, está em questão o fortalecimento da democracia com direitos humanos, como finalidade última. Ao ajustar a finalidade da Comissão à reconciliação, a proposta fica a meio caminho do que eticamente se poderia dela esperar, mostrando nitidamente seu viés conciliatório e desconhecedor de que qualquer pactuação democrática só será possível com a necessária explicitação do conflito que a requer.

A proposta aprovada reitera a perspectiva ensejada pela posição do Supremo Tribunal Federal quando julgou a Lei da Anistia, o que fica patente pelo previsto no inciso V do artigo 3º: “colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos, observadas as disposições das Leis nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 [...]”. Com este texto, não caberia exatamente à Comissão a “apuração” das violações e sim colaborar para que “instâncias do poder público” a façam, podendo entrar em flagrante contradição com o previsto nos incisos I, II e III do mesmo artigo do Projeto de Lei. Advogar que a Comissão tenha poderes de apuração das violações não é sinônimo de querer que a Comissão seja tida e constituída em substituição aos tribunais convencionais. Ela teria que, ao menos, ter entre suas prerrogativas, mais do que “esclarecer (inciso I), “esclarecimento circunstanciado” (inciso II) e “identificar e tornar público” (inciso III), a obrigação de encaminhar suas conclusões que revelarem necessidade de responsabilização por violação de direitos humanos aos órgãos encarregados de persecuções criminais.    

O previsto no parágrafo 2°, do artigo 4º, que dispõe que “os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”, somado ao que determina o artigo 5º: “as atividades desenvolvidas pela Comissão Nacional da Verdade serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção do sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, vida privada, honra ou imagem de pessoas”, aparecem como limitadores fundamentais da necessária transparência da atuação e dos resultados da Comissão. A primeira previsão não tem qualquer sustentação, dado que, sem que seja possível à Comissão divulgar ou disponibilizar o que ela receber como insumo para a sustentar suas conclusões fica inviabilizado o contraditório, requisito absolutamente necessário ao estabelecimento da verdade e, de certa forma, vindo a impedir que os próprios “arquivos” da Comissão sejam abertos. No caso da segunda previsão, a publicidade da atuação da Comissão fica limitada a resguardar a intimidade, a vida privada, a honra ou imagem de pessoas, nos termos previstos no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, o que é necessário, porém, esta previsão parece estar em local inadequado da proposta de lei, visto que as conclusões a que vier é que estariam limitadas por este preceito constitucional, não são só suas atividades. Ou seja, as atividades, aquilo que a Comissão vier a fazer para cumprir suas prerrogativas, deveria ter ampla e irrestrita publicidade, até para que não seja manchada sua legitimidade. A publicidade, aliás é princípio constitucional para toda a atividade a ser feita por órgão público. Mais uma vez, a Comissão poderia ser transformada, não somente no que diz respeito aos documentos que acumular, mas no seu próprio agir, num “arquivo fechado”.

O que a proposta deveria prever, mas não prevê, é que os membros designados para compor a Comissão e aqueles que a ela comparecerem para prestar depoimentos ou informações, tenham garantia de imunidade civil e penal e a necessária proteção do Estado, caso venha a ser necessária, de sorte a, por um lado, animar a colaboração com os trabalhos da Comissão e, por outro, a não ensejar que vítimas e testemunhas venham a ser atacadas, mais uma vez, por seus algozes, abrindo espaço para que a desejada “reconciliação” seja posta abaixo pelos que não a querem pelo simples fato de serem contra a qualquer tipo de apuração das violações aos direitos humanos.

O previsto no inciso VI do mesmo artigo 4º: “requisitar proteção aos órgãos públicos para qualquer pessoa que se encontre em situação de ameaça, em razão de sua colaboração com a Comissão Nacional da Verdade” é insuficiente ante o que se espera da Comissão, por estar suscetível à resposta dos órgãos públicos, sem que lhe seja prevista qualquer punição caso não venham a atender ao que a Comissão solicitar. Por mais que o previsto no § 1º diga que esta requisição deva ser feita diretamente a órgão público, o fato de haver prerrogativa de requisição e de que esta seja feita a órgão público, afasta que seja feita a órgão privado [o que pode ser limitativo, pois há muitas informações que estão em posse de indivíduos ou até organizações privadas], mas não a torna uma medida a ser necessariamente atendida pelo órgão público. Assim disposto, dá-se por automático que o atendimento da requisição seja feito pelo órgão público, até porque o Projeto de Lei não prevê qualquer tipo de punição ao órgão público que vier a se negar a garantir o atendimento a tal requisição. 

As breves observações que apresentamos têm seu núcleo central na compreensão de que a verdade exige que se faça profundo reconhecimento das vítimas e de seus algozes como requisito para que seja orientada pela justiça ética e não pela preservação da ordem que, de regra, é conveniente aos opressores mais que aos oprimidos. Verdade e memória são gritos de justiça clamado pelas e para as vítimas. Elas têm o direito de dizer sua palavra e de exigir que a justiça não lhes seja negada. Negar-lhes a justiça equivaleria a uma sobre-vitimá-las, a não somente deixar de reconhece-las, como também reforçar sua condição de vitimização. Querer este direito das vítimas não é querer um direito corporativo, pelo contrário, é querer um direito universal, nem que seja para que não sejam produzidas novas vítimas. Por isso é que exigir o direito à memória, à verdade e à justiça como um direito humano é, acima de tudo, um grito pelo “nunca mais” e a afirmação de que queremos um mundo no qual a justiça não seja promessa e que os direitos humanos não sejam quimera.

Ainda há tempo para que necessárias revisões ao texto do Projeto de Lei sejam feitas. Mas, elas somente serão feitas se a sociedade reagir a todo tipo de acordo que não seja para viabilizar a justiça às vítimas e para que a Comissão da Verdade venha a ser um profícuo instrumento para tal.

É o que nos resta como cidadãos que, em nome dos direitos humanos, não se conformam em tergiversar ou em pactuar com qualquer tipo de violação e mesmo com qualquer medida que não seja para que todos os direitos humanos sejam, além de garantidos, realizados na vida concreta de todos/as e de cada uma das pessoas.

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Doutorando em filosofia (Unisinos), professor de filosofia no Instituto Berthier (IFIBE, Passo Fundo) e conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)